quarta-feira, 4 de junho de 2008

300, o filme: faltam as características de um bom épico

Ontem finalmente assisti 300 (2006), do diretor Zack Snyder, inspirado na HQ homônima de Frank Miller. Plasticamente perfeito, mas a sensação é de que falta alguma coisa. Por mais que o roteiro seja extremamente fiel ao quadrinho, a seqüência de ações parece brusca e atropelada, sem uma concatenação coerente. Me parece a particularidade da adaptação para o formato filme, porque esse estranhamento a HQ não causa, de jeito nenhum. Pensei um pouco e acredito também que além da adaptação, falta ao filmeum elemento essencial aos bons épicos cinematográficos: seqüências de diálogos envolvendo tensões políticas e dramáticas. Não que não existam, mas são raras, pelo menos no que tange à política que é tema da guerra: a seqüência inicial do mensageiro persa em Esparta, Leônidas diante de Xerxes, a Rainha Gorgo com Theron e em seguida diante do Conselho de anciãos. Fora isso, batalha. Ok, o relato é o de uma batalha, a das Termópilas. Mesmo assim, as imagens, belíssimas, é preciso admitir, se sucedem como num videoclipe gigante de duas horas, reproduzindo esteticamente alguns quadros da graphic novel com exatidão. É a estética efêmera e atropelada dos videoclipes influenciando cada vez mais a linguagem cinematográfica. E essa escassez de diálogos, que já citei como requisito de um bom épico, acabam transformando 300 em algo inédito: um filme épico de apenas 2 horas??? O tom arrastado e as contraposições diálogos/ação são clichês indispensáveis para um bom épico na tela grande, para que desenvolvamos empatia pelos personagens e entremos de fato na jornada dos heróis protagonistas. O Leônidas do cinema não nos dá essa oportunidade. Suas qualidades são impostas, ele e outros personagens do filme são apresentados de forma extremamente plana, mesmo que não o sejam na HQ. Por esses e outros fatores, filmes como Ben-Hur, Spartacus e Senhor dos Anéis tem todos mais de duas horas e meia. Acabei lembrando, não exatamente de outro épico, mas do fiasco que foi a refilmagem de Solaris, em 2002, por Steven Soderbergh. O filme tem uma hora e meia, e portanto perde justamente um dos aspectos mais marcantes da leitura de Tarkovsky para a obra de Stanislaw Lem: o tempo arrastado, o desespero da solidão no espaço e a falta de alternativas.
Enfim, uma pena a adaptação de 300 ser falha nesses aspectos. Poderia ser um filme mais marcante, no entanto acho que daqui um ou dois anos vai ser tão lembrado quanto outros medianos como o Tróia de Brad Pitt ou o Cruzada com Orlando Bloom. Nos cinemas, a melhor adaptação da obra de Miller ainda continua sendo Sin City, esta sim impecável.

4 comentários:

Barretão disse...

Igor,

Analisei essa questão de 300 a fundo. Além de, como você, gostar muito da graphic novel, tive a oportunidade de entrevistar Zack Snyder e o restante do elenco. Não os 300, claro! :p *ok, péssima*.
Você tocou no ponto exato da definição de 300: ele não é um épico. É assumidamente um filme de ação com, no máximo um background épico. Acho que isso aconteceu muito por conta do Snyder ter pensado tanto na responsabilidade de recriar a HQ no formato cinematográfico que acabou deixando de analisar o gênero em si. Entretanto, o maior aspecto aí é que essa é uma obra construída para um tipo de público desacostumado aos Épicos. Qual é o épico dessa nova geração? Gladiador! Esse sim um épico bem feito e que atende aos requisitos do gênero.
Os personagens podem ser impostos, mas fazem valer seus títulos e qualidades no campo de batalha, cada um a seu modo. É um tipo de história às avessas, primeiro você avisa que o sujeito é bom de briga, depois ele te mostrar por que.
Enfim, muito boa sua análise e, felizmente, mais alguma mente sã nesse mundo resolveu analisar 300 sem cair na baboseira de tendências sexuais (?!?!) envolvidas no filme.

Grande abraço,
Fábio

Anônimo disse...

Analisando alguns pontos da sua opiniao, diria que tenho uma opnião um poco diferente.

Eu também sinto, que como fime, parece que faltou algo, e que na HQ não temos este sentimento; entretanto, por serem midias diferentes, talvez este seja o problema. Numa "revista em quadrinhos", muito da imaginação premeia os acontecimentos retratados e com isto não precisamos de tramas segundárias, mas no cinema a imagem impõe o que acontece, tanto que no filme foi "inserido" mais cenas referentes à Gorgo (a rainha), que na minha opinião não eram necessárias.

Referente ao filme ser quase puramente batalhas, e parecer um videoclipe; bem neste caso concordo mas também acho que se mudasse a tonalidade do que foi mostrado, não seria uma adaptação do quadrinho mas sim outro filme sobre os 300 espartanos (como o filme de 62).

Eu não vejo como um filme epico, mas sim, como o Fábio falou, um grande filme de ação. Eu penso neste filme, mais comparável à SinCity do que Gladiador, não pelo fato de SinCity ser do Miller e talmbem uma boa adaptação (fotocopia) do quaddrinho, mas sim pela linguagem quase "videoclipe" e pelo tipo de ação.

Mas com certeza será lembrado como um filme mediano, primeiro porque houve apenas um Hype de inicio e segundo por todos os fatores apresetados por você, e o Fávio.


abraços...
Fernando

ps: preciso ver Solaris (o 1o.), pois eu vi e até gostei do novo (e acho que sou o unico no mundo hehe).

Anônimo disse...

Eu gostei do filme Igor, provavelmente não vai ficar marcado como um épico porque nunca foi.
Vai ficar marcado como uma boa adaptação de quadrinhos, coisa que antigamente era muuuito rara, e que hoje em dia, ainda bem, está mais comum, e que faz valer a grana do cinema ou da locação.
Sem contar que não tem como fazer um filme do miller com muitos diálogos, esse não é o forte dele, tanto que as sequencias da rainha no parlamento não existem no gibi. (o Marcelo q me perdoe, mas pra mim é gibi mesmo.)
Abraço.
Fred. (sem computador, mas indo.)

Snorks disse...

Não vou comentar sobre o filme 300 em si, mas sim no meu já velho problema com adaptações.
Não acho que "fotocópia" seja a resposta para uma boa adaptação. Sin City sem dúvida é perfeito nesse aspecto (com exceção da trilha sonora - obviamente ausente na HQ - que é medíocre, parece composta em midi). Tão perfeito que me faz duvidar de seu mérito e de sua graça. Se a HQ já existe por que "animá-la" em um filme idêntico? Entre rever o filme ou reler as HQs fico sem dúvida com a segunda opção.
Pra mim de longe o maior problema das adaptações não é de ordem estética, mas sim o quesito fidelidade ao caráter e personalidade da personagem. Vide exemplos já clássicos como Faramir até o tão elogiado Batman Begins (meus amigos... o Bruce Wayne cruza com o assassino dos pais??? Só eu quis levantar do cinema essa hora?).
A velha desculpa do "não funciona porque é outra mídia" também está fora de questão... se é outra mídia como é que pareceu bom material pra filme?
Acho que a resposta para essa questão é de caráter muito mais econômico do que estético. Utilizar a massa de admiradores de personagens já conhecidos é muito mais fácil do que gerar idéias novas específicas para o formato cinema. As continuações intermináveis e as adaptações em ritmo industrial são mais do que prova disso... o cinema dos grandes estúdios não é mais a sétima arte há muitíssimo tempo, e geralmente nos esquecemos disso.