"Um curupira já tem seu tênis importado"
(Enquanto o Mundo Explode, Chico Science)
(Enquanto o Mundo Explode, Chico Science)
Na capa do caderno de notícias internacionais do Estado de São Paulo de hoje, duas fotos ilustravam a manchete. O Hezbollah pretende "trazer a Síria de volta ao Líbano e estender o alcance do Irã ao Mediterrâneo", conforme comunicado lido pelo líder cristão Samir Geagea. Para tanto, ontem tomaram o controle do lado oeste de Beirute e expulsaram dali seus opositores, leais ao governo do primeiro-ministro Fuad Siniora. Na primeira foto, um militante do grupo ataca a sede da rede de TV Futuro, propriedade do líder governista Saad Hariri. Na segunda, outro rebelde ajeita uma foto do presidente sírio num escritório do partido de Hariri, em Beirute. Me chamou a atenção o calçado do segundo fotografado, no qual lê-se Adidas em letras garrafais. Se o atual governo do Líbano é pró-EUA, teríamos aí uma contradição globalizada?
Não vou entrar no mérito das motivações para o conflito entre os dois lados, mas que a cena é um paradoxo é. Paranóia idealista da minha parte? Pode ser. Principalmente para os filósofos do fim da história, que já somam centenas no mundo todo. Para quem quiser aprofundar a discussão, dois autores, um americano outro brasileiro, abordam a globalização sob perspectivas interessantes, e lembrei deles no ato em que vi a foto. O brasileiro Octavio Ianni, em seu A Era do Globalismo (primeira edição de 1996, Civilização Brasileira), aborda a questão do global x local no suposto mundo sem fronteiras da globalização. Já o americano Benjamim Barber, em Jihad X McMundo, nos mostra as consequências sociais e culturais dessa nova configuração do global. Nas edições pós 2001, Barber acrescentou um prefácio considerando o 11/09.
Mesmo que o propósito central do conflito não seja a dominação cultural americana, considero a imagem sintomática para pensarmos quem está por trás dos capuzes do Hezbollah e de outros grupos radicais. Me lembrei da cena final de Os Sonhadores, de Bernardo Bertolucci. Quem é de fato a juventude que faz número nas revoluções? Culturalmente, as revoluções de hoje vão de fato surtir algum efeito contra a hegemonia do tal McMundo?
Um comentário:
Pode ser uma imagem paradoxal sem dúvida, mas por um lado a Adidas é alemã, e por outro não é objetivo da revolução atacar os bens de consumo, e sim tomar os meios de produção, pra ficar só em um argumento marxista banalizado (diria até leninista hehehe).
Mas você mesmo, que estuda industria cultural e suas relações, sabe muito bem como a coisa funciona, inclusive no quesito banalização que a foto obviamente teve intenção de causar: discute-se mais o fato do sujeito estar usando Adidas do que o ato em si.
Postar um comentário