domingo, 1 de agosto de 2010

Uma noite em 67: convergência de gênios

Está em cartaz em 22 salas de cinema do país o documentário Uma noite em 67, sobre a final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Os diretores Renato Terra e Ricardo Calil recontam a história desse zeitgeist da Música Popular Brasileira alternando depoimentos de participantes do evento com as apresentações dos cinco finalista do festival: Edu Lobo, Gilberto Gil, Chico Buarque, Roberto Carlos e Caetano Veloso. Não poderia faltar a polêmica apresentação de Sergio Ricardo, que quebra o violão e joga na platéia após algumas tentativas de cantar sua "Beto bom de bola" debaixo de vaias ininterruptas.

Ta aí uma história que me deixa profundamente emocionado. Os causos e curiosidades contados por Sergio Cabral, Paulinho Machado de Carvalho, Zuza Homem de Mello e outros que ali estiveram são divertidos e ilustrativos, apesar da diversão mesmo ficar por conta do Chico Buarque, que está descontraidíssimo tanto nas entrevistas atuais quanto nas de bastidores do evento. E sua "Roda Viva" garante um dos grandes momentos do filme, com direito a entrevista recente também o MPB4, seus companheiros no festival. Bacana ver Roberto Carlos cantando samba. E não faltam no filme menções à famosa passeata contra a guitarra elétrica, episódio emblemático da história da nossa música.
É impressionante ver como Caetano Veloso reverteu a reação da platéia a seu favor durante a execução de "Alegria, Alegria", previamente atacada por conta do uso de uma banda de rock, que já era conhecida de jurados, organização e público. Para abalar as estruturas do festival, Caetano se apresentou com os argentinos Beat Boys, Gilberto Gil fez seu "Domingo no Parque" com os Mutantes, que esbanjaram graça e uma alegria um tanto inocente. Entre os depoimentos de Gil e Caetano, chama a atenção o momento em que este afirma que o tropicalismo teve como motivação, entre outros fatores, o que os ingleses estavam fazendo com o rock, observação que me fez lembrar da canção "Coragem pra suportar", do álbum de 1968 do Gil. "Coragem" é um autêntico rock inglês do sertão do Brasil, psicodélico e nordestino, a seca das caatingas ao som de "Still I'm sad", dos Yardbirds. O próprio Gil também chega a citar sua fascinação pelos Beatles na época, mas se expandirmos a associação da Tropicália com o rock inglês o assunto dá pano pra manga.
Por ironia do destino, enquanto o desclassificado Sergio Ricardo quebrava e jogava na platéia seu violão, o vencedor Edu Lobo pede a viola pra cantar. Quando, no decorrer do filme, discorre-se sobre qual seria a música de festival por excelência. Sem se chegar a uma conclusão única, a sensação é a de que "Ponteio" venceu porque é a música perfeita para o momento, com sua evolução que deixou a platéia extasiada.
Bastassem as imagens da época, das canções executadas na íntegra, o filme já valeria à pena. Há quem se contente com o Youtube, mas na telona a coisa é de arrepiar. A música brasileira, dali em diante, tomou rumos sem precedentes, e talvez o ponto mais interessante de um filme que se proponha a contar tal momento é o de mostrar como esses protagonistas da nossa música tinham sim pretensão de fazer bonito, apresentar boas canções, ganhar o festival, mas não de mudar a história. A noite da finalíssima do III Festival de Música Popular Brasileira torna-se cada vez mais importante à medida que, mesmo que o Brasil não deixe de ter, de tempos em tempos, novidades interessantes na música, fica difícil pensar numa convergência de gênios como essa acontecendo de novo.


Confira hotsite do filme, com entrevistas dos diretores e outros conteúdos.

Um comentário:

Amauri Terto disse...

Igor, quero muito ver esse documentário! Me peguei agora empolgado com a história da música nacional. Lendo Chega de Saudade e Noites Tropicais... Na telona deve ser massa!