Não por acaso ultimamente estou ouvindo bastante dois discos:
The Pretty Things, de The Pretty Things, e
Teenage Head, dos Flaming Groovies. Não por acaso porque foram duas indicações do João Paulo Bueno, que trabalha comigo lá na Cultura, um grande cara que sabe muito de livros, filmes e música. A aproximação dos dois álbuns com dois momentos distintos dos Rolling Stones me fez escrever esses comentários que você confere abaixo.
The Pretty Things, álbum de 1965 do grupo homônimo que é referência entre as garageiras sessentistas, acaba de ser lançado em CD no exterior em uma edição caprichada da Madfish/Snapper Music, que inclusive ganhei de presente do João Paulo. O grupo tinha Dick Taylor nas guitarras e Phil May nos vocais. Os dois eram da turma de Jagger e Richards, grupo que "devorava" todo o material de soul e rhythm n' blues americano que aparecia pela frente. Taylor chegou a fazer parte de uma das primeiras formações dos Rolling Stones. O nome da banda foi retirado de uma canção de Bo Diddley, que está para os Things assim como, digamos, Chuck Berry está para os Stones. A batida mais tribal das composições de Diddley é um elemento central da sonoridade dos Things. No repertório do álbum, fora a canção "Pretty Things" estão outras três composições de Diddley: "Roadrunner", "Mama, keep your big mouth shut" e "She's fine, she's mine". São 18 canções ao todo, incluindo o single "Rosalyn", talvez o mais conhecido do grupo. Phil May não tem a presença vocal de Jagger e o som dos Things é muito menos lapidado que o dos Stones, muito mais na praia dos Sonics, mas com guitarras limpas. Garageira de primeira qualidade. O texto do encarte dessa nova edição, escrito por Paul Du Noyer, editor da revista Mojo, é bastante elucidativo. A revista inclusive incluiu o disco na sua Lista de Honra de 2009. O CD tem material especial multimídia, com videoclipe de "Rosalyn" e arquivo de fotos e reportagens da época.
Teenage Head (1971), dos Flamin Groovies, dialoga com os Stones em outra fase. Reza uma das tantas lendas do rock que Jagger ou Richards, não se sabe ao certo qual dos dois, teria dito que o álbum dos Groovies é melhor que
Sticky Fingers, lançado pelos Stones no mesmo ano. O fato é que além do timbre vocal de Roy Loney, que lembra muito o de Jagger (mas em alguns momentos até o de Iggy Pop ou Lux Interior), há muitos elementos em comum entre as duas bandas: os Groovies começaram a carreira basicamente fazendo covers dos Stones; o pianista Jim Dickinson toca nos dois discos citados; e "City Lights" e "32-20" são tão boas quanto as baladas de
Let It Bleed. Mas os Flamin Groovies não são simplesmente os irmãos mais novos dos Stones. O grupo, e especificamente o álbum
Teenage Head, são verdadeiro divisor de águas do rock. Os próprios Stones, dali em diante, afinaram legal e nunca mais fizeram um álbum substancialmente inspirado depois de
Exhile on Main St.. A versão de "Have you seen my baby?", de Randy Newman, terceira canção de
Teenage Head, adianta o som que os New York Dolls fariam dali alguns anos. O rockabilly insano de "Evil Hearted Ada" é Cramps puro, ou melhor, vice e versa. Impossível não pensar nos Stooges ouvindo a faixa título, "Teenage Head". Na biografia dos Groovies do All Music Guide o jornalista John Dougan afirma que os caras eram uma banda fora do seu tempo, que quando surgiu, em 1965, não conseguiu se encaixar na cena de São Franciso, então dominada por grupos como o Jefferson Airplane. Longe de ser esse um ponto negativo, e por mais que os Groovies não sejam tão lembrados quanto os Stones ou o próprio Jefferson Airplane, eles são uma verdadeira encruzilhada do rock, onde muita coisa boa desembocou e de onde muita coisa importante surgiu. A edição de
Teenage Head em CD, datada de 1999, saiu aqui no Brasil no final do ano passado, e contém, além das 9 faixas originalmente lançadas em 1971, 7 bônus, que consistem em covers e outras canções do repertório dos shows da banda. O CD saiu numa coleção que a Sony/BMG lançou com 60 dos seus discos que figuram no livro
1001 Discos para ouvir antes de morrer.